Amigas Improváveis

 



Árvore da Vida ( 1905 ) - Gustav Klimt

Conheci-a no café do bairro. 

Partilhava mesa com outras senhoras da mesma idade. 
Todos os dias, foram o meu primeiro bom dia. 
Tinha de sorrir logo pela manhã, e isso fez de mim uma pessoa melhor. 
Criámos uma ligação que, por mais improvável que seja, não deixa de ser reconfortante.

Mas ela é especial. 
Vejo nela, muito de mim. Independente, solitária, de palavra fácil e de sorriso contagiante.
Adora arranjar as unhas e o cabelo, comprar roupa e viver o momento. 
Recorda os velhos tempos, sempre com episódios matreiros, da vida de jovem numa aldeia em Vila Real. 
Depois remata com a vida boémia que teve, desde que veio para Lisboa. 
Tem um humor sarcástico e certeiro, mas é uma pessoa fantástica. 
Um diamante, totalmente polido e muito real.
Comecei a preocupar-me quando não a via, a dar-lhe conselhos e a resolver os pequenos problemas, que os seus 69 anos já não conseguem superar. 
Acertar o despertador digital quando a hora mudou, colocar som num telefone que estava mudo, ou ver o que se passava com o medidor de tensão arterial.

Há um tempo, foi abordada por um homem depois de sair do café. 
Com conversas de burlão, convenceu-a a dar-lhe 150 euros, que a própria levantou no multibanco. 
Quando se apercebeu o risco que correu, ficou aterrorizada. 
Sentia-se insegura. Comecei a acompanhá-la a casa, mas estava reticente. 
Não queria dar trabalho, andava muito devagar e eu tinha uma vida para viver.
Mas não desisti.

Agora, quando sai, espera por mim à porta da mercearia. 
Porque preza a minha companhia. 
Porque sou a única pessoa com quem fala, agora que as amigas estão ausentes.
Um dia, devolveu-me o sorriso pela manhã. 
Hoje dou-lhe afetos, em tempos de escassez. 





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