Amigas Improváveis
Conheci-a no café do bairro.
Partilhava mesa com outras senhoras da mesma idade.
Todos os dias, foram o meu primeiro bom dia.
Tinha de sorrir logo pela manhã, e isso fez de mim uma pessoa melhor.
Criámos uma ligação que, por mais improvável que seja, não deixa de ser reconfortante.
Mas ela é especial.
Vejo nela, muito de mim. Independente, solitária, de palavra fácil e de sorriso contagiante.
Adora arranjar as unhas e o cabelo, comprar roupa e viver o momento.
Recorda os velhos tempos, sempre com episódios matreiros, da vida de jovem numa aldeia em Vila Real.
Depois remata com a vida boémia que teve, desde que veio para Lisboa.
Tem um humor sarcástico e certeiro, mas é uma pessoa fantástica.
Um diamante, totalmente polido e muito real.
Comecei a preocupar-me quando não a via, a dar-lhe conselhos e a resolver os pequenos problemas, que os seus 69 anos já não conseguem superar.
Acertar o despertador digital quando a hora mudou, colocar som num telefone que estava mudo, ou ver o que se passava com o medidor de tensão arterial.
Há um tempo, foi abordada por um homem depois de sair do café.
Com conversas de burlão, convenceu-a a dar-lhe 150 euros, que a própria levantou no multibanco.
Quando se apercebeu o risco que correu, ficou aterrorizada.
Sentia-se insegura. Comecei a acompanhá-la a casa, mas estava reticente.
Não queria dar trabalho, andava muito devagar e eu tinha uma vida para viver.
Mas não desisti.
Agora, quando sai, espera por mim à porta da mercearia.
Porque preza a minha companhia.
Porque sou a única pessoa com quem fala, agora que as amigas estão ausentes.
Um dia, devolveu-me o sorriso pela manhã.
Hoje dou-lhe afetos, em tempos de escassez.
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